Quando falamos sobre desapego literário, o que primeiro vem à mente é dar livros já lidos ou algo nesse sentido. Mas escritores também devem praticar esse ato. Não, não estou falando da doação dos livros que você escreveu – o que também é bem bacana, se você escolher um projeto legal para participar -, e sim de desapego da sua história, dos seus personagens.
Por mais sofrido que seja (e nós sabemos que é), de vez em quando devemos deixar personagens, cenas, trechos e até mesmo tramas e páginas inteiras irem embora. É difícil, afinal, é a sua história. É quase uma espécie de filho. Então como desapegar da nossa própria criação?
Para alguns é mais fácil, para outros…
Alguns autores têm mais facilidade do que outros. É só ver essa onda atual de escritores “sem coração”, que não tem medo de matar seus personagens e de fazer seus leitores chorarem (sim, George R. R. Martin, é de você que eu estou falando!). Mas, mais do que fazer com que seus protagonistas morram, a questão aqui é cortar o que muitas vezes é apenas supérfluo, por mais que você goste daquelas linhas em questão.
John Steinbeck, autor americano muito influente no século XX, tanto que ganhou o Prêmio Nobel da Literatura em 1962 e o Prêmio Pulitzer de Ficção em 1940, era um dos defensores do desapego literário. “Cuidado com cenas que se tornam muito queridas para você, mais do que as outras”, disse. Segundo ele, pode ser que, por mais que você tenha carinho, elas podem ser supérfluas. E não há nada pior do que um livro alongado, um livro que se estende sem muito objetivo, com cenas e tramas desnecessárias para o bom entendimento da obra. Então não se apegue e corte, mesmo que doa.
E as personagens?
Se apegar aos personagens também não é uma boa ideia. Kurt Vonnegut, autor de vários livros clássicos, como Timequake, Café da Manhã dos Campeões e outros, na verdade recomendava que escritores fossem sádicos com os personagens que criassem, que deixassem que o que fosse necessário acontecesse com eles, mesmo que não merecessem ou que fossem doces e gentis. Tenha em mente que o sofrimento vem para todos, até para pessoas fictícias. O mestre do terror Stephen King tem uma frase que evidencia bem o seu pensamento sobre isso: “Mate seus queridinhos, mesmo que isso destrua seu coraçãozinho egocêntrico”. Ele dizer isso não é surpresa nenhuma, é só ler poucas páginas de qualquer livro de sua autoria que vai ver esse conselho na prática.
E qual a importância do desapego?
O desapego literário é uma etapa importante do processo de escrita. Primeiro você coloca tudo no papel, indiscriminadamente, coloca cenas a mais, personagens a mais, tramas a mais. É um fluxo de criatividade que não pode ser contido. Depois você precisa passar por um processo de edição, e por edição podemos entender corte puro e simples. Quando relemos o trabalho, enxergamos trechos que podem ser retirados ou pelo menos reduzidos. E isso faz com que a história fique mais fluida e de leitura agradável.
Cortar faz parte da construção de um livro, mesmo que seja sofrido para o escritor. Pratique o desapego literário!
Não! Descordo!
Muitas vezes nos desapegamos de uma obra inteira, daí nasce algo que é a criatividade pura.